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Segundo o livro SOS da ONG, de José Alberto Tozzi, especialista em terceiro setor, uma das principais características das organizações do terceiro setor é o financiamento de sua sobrevivência, e para superar esse desafio, a captação de recursos no Brasil precisa derrubar algumas barreiras que impedem o seu desenvolvimento. Concordo.
A cultura do “coitadismo” como meio de sensibilizar doadores ainda é bastante presente nas práticas das organizações sociais. O preconceito das ONGs quanto ao uso de modernas e legítimas técnicas de marketing limitam as suas possibilidades de captação de recursos e o uso racional, estratégico e pragmático das redes sociais e meios de interação virtual com os doadores também são exemplos disso.
Para se ter uma ideia, uma pesquisa realizada pela Fundação Salvador Arena com 32 entidades sociais do ABC e São Paulo, entre 2016 e 2017, revelou que:
-70% sabem da importância de se comunicar com o público de interesse, mas não têm um plano de comunicação formal;
-50% não têm dados das pessoas com quem se relacionam (nome, e-mail, telefone etc.) ou quando têm estão desatualizados;
- 50% das organizações afirmaram não terem os dados dos doadores (PF) com quem se relacionam (nome, e-mail, telefone etc.) ou estão desatualizados;
-35% têm um plano básico para captação de recursos, mas os resultados não são avaliados;
-95% necessitam de mais formação para atuar na área de captação de recursos.
Essa constatação parece responder a oito questões propostas pelo consultor Rodrigo Alvarez, em seu artigo ”Da escassez à suficiência...”, publicado na revista eletrônica “Captamos.org.br”, em outubro de 2016. São elas:
1 Você trabalha em uma organização social que precisa captar recursos para manter suas atividades, mas percebe que seus esforços geram resultados sempre insuficientes?
2 Ano após ano, sua organização precisa crescer e ampliar suas metas, mas parece que está sempre correndo muito e que nunca chega lá?
3 Na sua organização, as pessoas ganham mal (ou têm relações de trabalho precárias) e se sentem constantemente ameaçadas pela instabilidade dos projetos?
4 Você se percebe distante daquela “chama” que te levou a atuar por uma causa?
5 Os doadores individuais já não respondem da mesma forma às suas solicitações ou a sua organização não têm doadores individuais e nem sabe por onde começar?
6 Você já visitou mais de 100 empresas no último ano e parece que seu discurso não tem ressonância para o meio empresarial.
7 Na volta de cada reunião, você tem uma sensação de que ninguém se importa com a causa que você defende e que as empresas e os empresários são insensíveis e egoístas?
8 Como captador de recursos, você é cobrado por resultados, mas se sente só e desconectado do resto da organização, distante da liderança e da área de programas, e percebe que os resultados na captação de recursos precisam ser parte de um esforço integrado?
Se você respondeu com um “sim” a pelo menos três dessas questões, está na hora de rever alguns conceitos e práticas de sua organização como:
-Revisar a missão, a visão de futuro e os valores institucionais de sua organização;
- Dimensionar a sua estrutura operacional, isto é, pessoas, suas competências e engajamento à causa social da ONG;
- Desenvolver um plano de comunicação – formal, realista e aplicável - com os seus diferentes públicos de interesse e;
-Formatar um plano eficaz de captação de recursos que oriente as ações e práticas de sua organização, desenhado para os próximos dois ou três anos, pelo menos.
Ora, as organizações do terceiro setor proporcionam, indiscutivelmente, efeitos bastante positivos à sociedade. Para se ter uma ideia, “para cada um real oferecido pelo Estado como imunidade a essas instituições, há um retorno de seis reais em benefícios entregues à população”. Outros dados mostram ainda “que as atividades do setor beneficiaram, só em 2015, mais de 160 milhões de pessoas e geraram cerca de 1,3 milhão de empregos”, segundo a pesquisa realizada pelo FONIF – Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas, de maio de 2015 a junho de 2016.
Ainda segundo a pesquisa, “na área da saúde, hoje, em 968 municípios brasileiros o único hospital presente é filantrópico, não havendo nenhuma presença pública na região. O setor concentra 53% dos atendimentos SUS em todo o País. Quando o assunto é educação, mais de 2 milhões de jovens têm a oportunidade de estudar em filantrópicas, sendo que, desse total, 600 mil são bolsistas. ”
O desafio, portanto, está na atualização dos meios, práticas e métodos de busca pela sustentabilidade das organizações a partir da revisão dos conceitos e pré-conceitos ainda presentes no setor social; mas, por outro lado, no investimento de empresas, governo e doadores individuais na capacitação das organizações do terceiro setor para desenvolvimento institucional e para boas práticas em sustentabilidade, tendo em vista que a sociedade não é composta somente por ONGs, mas também pelas organizações do primeiro setor (Estado) e do segundo setor (Mercado).
Em suma, a responsabilidade pela construção de uma sociedade que, de fato queremos, é de todos nós. Desse modo, cada setor deve prever em seus orçamentos anuais os recursos para dar cumprimento à isso evitando que esse discurso fique apenas no campo da retórica.
Sérgio Loyola,Gerente de Projetos Sociais da Fundação Salvador Arena
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