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Morre poeta Manoel de Barros

'Até na morte ele foi generoso', diz Martha de Barros, única filha viva de Manoel de Barros

  • Data: 14/11/2014 11:11
  • Alterado: 14/11/2014 11:11
  • Autor: Redação ABCdoABC
  • Fonte: Estadão Conteúdo
Morre poeta Manoel de Barros

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O poeta Manoel de Barros morreu nesta quinta-feira, 13, aos 97 anos, em Campo Grande. Ele estava internado há duas semanas no Proncor, período em que passou por uma cirurgia no intestino. O hospital não divulgou as causas da morte.

Um dos principais poetas brasileiros, ele nasceu em 1916, em Cuiabá. Em 2003, estreou na prosa com um livro em que iniciava a trilogia sobre sua vida. E, como se tratava de Manoel de Barros, não era um retrato fiel, mas um relato puramente personalizado. Assim, depois de Memórias Inventadas – A Infância, ele lançou Memórias Inventadas – A Segunda Infância.

O tempo, para o poeta, não seguia sua ordem cronológica. O que seria o livro da mocidade transformou-se em segunda infância que é, convém explicar aos desavisados, a forma como o poeta tratava de sua maturidade. Os textos, acompanhados das iluminuras de sua filha, Martha Barros, percorrem temas vitais da existência, como a descoberta do amor, do sexo e até do comunismo. Falam das peladas de barranco do Dona Emília Futebol Clube até da indiana da pensão na Rua do Catete – ela, 25 (ele, 15), deixava a porta do banheiro meio aberta e isso “abatia” o poeta.

A linguagem continuava artesanalmente construída, sem se ater a convenções gramaticais ou sociais, mas sempre em busca da simplicidade. “Porque me abasteço na infância e minha palavra é Bem-de-Raiz e bebe na fonte do ser”, escreveu Barros. O primeiro livro não foi de poesia, mas também não existe mais. A história de seu sumiço merecia um romance: aos 18 anos, quando vivia no Rio de Janeiro, onde frequentava as reuniões da Juventude Comunista, Manoel pichou as palavras “Viva o Comunismo” em uma estátua. Quando foi procurado pela polícia na pensão onde morava, o futuro poeta não foi preso por conta da intervenção da dona do estabelecimento, alegando ser ele um bom menino e também escritor, autor de Nossa Senhora de Minha Escuridão. Sensibilizado, o chefe da operação decidiu não prender Manoel, mas também resolveu ficar com o exemplar do livro.

O primeiro poema nasceu quando ele estava com 19 anos e a estreia literária de fato aconteceu com Poemas Concebidos sem Pecado (1937), feito artesanalmente por amigos numa tiragem de 20 exemplares mais um, que ficou com ele. O livro garantia sua inserção entre os modernistas.

Na década de 1960, voltou para Campo Grande, onde passou a viver como criador de gado, sem nunca deixar de trabalhar incansavelmente em seus versos. Longe dos grandes centros, demorou para ser reconhecido como grande poeta, mesmo publicando diversos livros. Foi somente na década de 1980, quando foi elogiado por Millôr Fernandes, é que Manoel de Barros tornou-se conhecido no eixo Rio-São Paulo. Em 1987, ganhou o prêmio Jabuti por O Guardador de Águas. E, em 2002, O Fazedor de Amanhecer, livro infanto-juvenil do poeta, foi eleito a melhor obra de ficção do ano anterior. “Como todo velho, sou uma criança nova e, com a memória mais aguda, relembro todos os bons momentos que vivi como menino. Enxergo o mundo agora de maneira mais inocente”, justificava.

Leitor dos sermões do padre Vieira, hábito que o ensinou, ainda jovem, a admirar a formação e utilização das palavras, Manoel de Barros mantinha, enquanto a saúde permitia, o mesmo ritmo de trabalho: todos os dias, às 7 horas, dirigia-se ao andar superior de sua casa, onde se encontra o que chamava de ‘escritório de ser inútil’. “Lá, fico horas consultando dicionários etmológicos, descobrindo a origem das palavras, buscando motivação”, afirmou ao Estado, em 2002. “Garanto que é uma viagem melhor que qualquer outra de avião.” Estimulado, ele combinava suas descobertas, entortando-as. “Para não cansar, a linguagem não pode ser comum, tradicional, senão cansa. É preciso entortá-las um pouco”, explicava ele, que deixou frases lapidares como “As coisas que não existem são as mais bonitas”, que figura na abertura do Livro das Ignorãças, atribuída a Felisdônio. Para ele, o esforço sempre era necessário, pois não acreditava em inspiração. “Trabalho com a palavra e, ao buscá-la, sou encaminhado por ela, que se desdobra e aponta caminhos.”

‘ATÉ NA MORTE ELE FOI GENEROSO’, DIZ FILHA DE POETA
Martha de Barros, única filha viva de Manoel de Barros, falou com orgulho no velório do pai nesta quinta-feira, 13, em Campo Grande (MS). Para ela, a reconhecida generosidade do poeta durou até os últimos minutos de sua vida. “Até nisso (na morte) ele foi generoso, porque ele esperou a família aceitar que a morte estava chegando”, disse.

Aos 63 anos, Martha contou que as perdas dos outros dois filhos na última década – Pedro de Barros e João de Barros – ajudaram a fragilizar a saúde de Manoel. No entanto, apesar de a causa da morte ainda não ser conhecida, ela diz que uma cirurgia no intestino realizada há dois anos pode ter sido determinante. “Acho que ele não aguentou a cirurgia”, afirmou, acrescentando que ele chegou a apresentar boa recuperação, mas “arruinou de novo”.

Martha disse também que não há nenhuma obra inédita do pai a ser publicada, mas ressaltou o projeto da editora Objetiva de reeditar a obra completa do poeta. O enterro ocorreu no final da tarde, no cemitério Parque das Primaveras, em Campo Grande.

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  • Data: 14/11/2014 11:11
  • Alterado: 14/11/2014 11:11
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