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Semente da democracia: com apoio da Alesp, movimento pelas ‘Diretas Já’ completa 40 anos

Mobilização popular pelo restabelecimento do voto direto para Presidente da República reuniu milhões de pessoas pelo Brasil em 1984

  • Data: 04/05/2024 11:05
  • Alterado: 04/05/2024 11:05
  • Autor: Redação
  • Fonte: Alesp
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Crédito:Acervo Alesp

“Eu quero votar pra Presidente!”. A frase estampada em camisetas por todo o País deixava claro o que grande parte do povo brasileiro tinha em mente naquele início de anos 1980. Crise econômica, desgaste político e uma pressão cada vez maior por um regime mais aberto e plural foram os ingredientes para um capítulo importante da história nacional: o Movimento pelas Diretas Já. A mobilização que ganhou as ruas, embalou a esperança de milhões e abriu caminho para a redemocratização completou 40 anos.

Ainda em 1983, o cenário de possível abertura ganhou força com a apresentação, pelo deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT), de uma Emenda Constitucional restabelecendo o voto direto para Presidente da República. A iniciativa ultrapassou as galerias do Congresso Nacional, em Brasília, e se espalhou ao longo dos meses. Como num sopro de renovação, as pessoas foram sendo tomadas por uma necessidade de expressar o seu desejo por mudança.

Começaram a surgir concentrações populares e comícios pró-Diretas em diversas cidades. Os encontros, muitas vezes, contavam com a presença de lideranças políticas, intelectuais, sociais e personalidades das artes e do esporte. O ano de 1984 viu o auge da mobilização. No Vale do Anhangabaú, na região central da Capital paulista, 1,7 milhão de pessoas se reuniram para pedir o voto direto. O mesmo aconteceu no Rio de Janeiro, com 1 milhão de presentes diante da Igreja da Candelária.

“Aos poucos, a ditadura dava sinais que estava chegando ao fim. Havia uma divisão entre os próprios militares, os de linha dura e os que apoiavam a abertura. Assim, a população viu uma brecha para avançar com esse processo. Ela percebeu que política também se fazia nas ruas”, conta o escritor e jornalista Oscar Pilagallo, em entrevista à TV Alesp. “O movimento das Diretas Já teve o grande mérito de colocar a população como protagonista da história e dar uma forma bem definida a sua vontade de resgatar a democracia”, acrescentou ele.

O deputado federal por três mandatos – dois por São Paulo e um pelo Amazonas – Almino Afonso lembra que aqueles eram tempos de fragilidade das instituições e que havia a necessidade de uma mudança na estrutura de poder, que já vivia duas décadas de controle pelas mãos dos militares. “Tínhamos uma ausência de normalidade institucional. O Parlamento nacional era uma falsidade porque ninguém ali tinha autoridade real. Quem levantava uma voz crítica ao regime, muitas vezes, acabava tendo seu mandato cassado”, conta Afonso, também em depoimento à TV Alesp.

Debates no Parlamento

A intensa movimentação, logicamente, repercutiu no Parlamento Paulista. Projetos apoiando o retorno do voto direto foram apresentados na Casa e o Plenário Juscelino Kubitschek foi palco de vários eventos nesse sentido.

De acordo com os arquivos da Alesp, a Mesa Diretora da época era composta pelos então deputados Néfi Tales (presidente), Vanderlei Macris (1º secretário) e Sérgio Santos (2º secretário). Eles apresentaram, ainda em 25 de agosto de 1983, um Projeto de Resolução para a realização de um Painel de Debates sobre Dívida Externa, Fundo Monetário Internacional e Eleições Diretas. Os parlamentares consideravam que esses eram “assuntos da maior atualidade e da maior importância para a vida de todos os cidadãos”. O projeto foi aprovado em Plenário no dia 19 de dezembro daquele ano.

Também em 1983, no primeiro fim de semana de outubro, foi realizado no Plenário da Alesp o Simpósio “Fala Brasil”, organizado pelo então deputado federal Ulysses Guimarães. No encontro, lideranças políticas discutiram, mais uma vez, as eleições diretas. Entre os presentes, três ex-governadores de São Paulo: Orestes Quércia, Franco Montoro e Mário Covas.

Marcha e fita apreendida

Em 23 de fevereiro de 1984, foi lançada na Alesp a Frente Municipalista pelas Diretas. O evento contou com cerca de duas mil pessoas, entre elas cerca de 340 prefeitos paulistas. Organizado pelo então vice-governador Orestes Quércia, estiveram presentes Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Alberto Goldman e o próprio deputado federal Dante de Oliveira. Na ocasião, foi aprovada a proposta de realização de uma marcha dos municipalistas em Brasília no dia da votação da emenda.

Conforme apontam os arquivos do Parlamento, naquela mesma data, o presidente da Alesp, Néfi Tales, recebeu uma ligação telefônica a pedido do delegado Romeu Tuma, então superintendente da Polícia Federal em São Paulo. Ele pedia a gravação do discurso do deputado federal João Cunha na reunião da Frente Municipalista. O discurso de Cunha havia sido o mais inflamado do dia, com ataques ao presidente e ao vice-presidente da República, o general João Batista Figueiredo e Aureliano Chaves. Sem autorização oficial do presidente da Casa, e durante a ausência de Néfi Tales, a polícia entrou no Palácio 9 de Julho e apreendeu a fita.

Não amigo do povo

Outra iniciativa do Parlamento em relação ao momento vivido no País foi o Projeto de Lei 192/1984, que considerava como “não amigo do povo do Estado de São Paulo, nem merecedor de seu respeito”, qualquer deputado federal ou senador que, por ação ou omissão, impedisse a aprovação da Emenda Constitucional das eleições diretas no Congresso Nacional.

De autoria do deputado Geraldo Siqueira, a justificativa do projeto trazia os números de uma pesquisa do Instituto Gallup sobre a aceitação das eleições diretas pela população do estado. “A Assembleia Legislativa de São Paulo deve, mais uma vez, refletir a opinião do povo paulista, reprovando aqueles representantes do povo que vierem a contrariar a opinião popular”, apontava o parlamentar. O projeto não chegou a ser votado em plenário.

Vigília cívica

No dia 25 de abril de 1984, a votação em Brasília começou por volta das 23h. No Plenário Juscelino Kubitschek, da Alesp, os deputados estaduais se reuniram em Sessão Extraordinária, mantendo uma vigília cívica. Os parlamentares seguiam passo a passo o que acontecia no Congresso Nacional e informavam, na tribuna, as parciais da votação, chegando a nominar os deputados federais que votavam contra a emenda.

O final da sessão do Congresso Nacional foi tumultuado e as informações chegavam aos deputados paulistas aos poucos. Exatamente às 3h01 da madrugada do dia 26 de abril, o presidente Néfi Tales reabriu a sessão no Plenário da Alesp e informou aos deputados que a emenda não havia sido aprovada.

Olhar de criança

Em meio aos ventos de transformação, uma menina de apenas 10 anos aprendia a importante lição de participar de um sonho. “A minha família sempre teve uma atuação política forte. Tenho tios que viveram exilados ou que foram presos na época da ditadura. Minha mãe, professora e sindicalista, também tinha atuação no movimento estudantil. Então, esse ambiente de movimento social já fazia parte da minha infância, das conversas em casa”, lembra a jornalista Daniela Lemos, que acompanhou várias mobilizações em Campinas.

“Como criança, sem ter a exata noção do que significava, tudo sempre mais parecia um passeio. Mas, no movimento pelas Diretas Já, ficou muito claro pra mim que aquilo era diferente; algo muito maior de tudo o que eu já tinha presenciado até então. Muito grande, muita gente, muita esperança. Lembro de ver os sorrisos e o brilho nos olhos das pessoas”, conta Daniela.

A jovem manifestante da época faz questão de frisar que a concentração de pessoas tinha um clima especial por ser, sempre, ligadas a ações culturais. “Lembro de ver o Milton Nascimento em um comício das Diretas Já no Centro de Convivência Cultural de Campinas, ao lado da Orquestra Sinfônica da cidade. Também acompanhei o Osmar Santos”, afirma a jornalista, mencionando o jornalista esportivo que a foi a voz dos comícios das Diretas Já no estado de São Paulo.

Coração

O gestor público Ângelo Barioni tinha 26 anos quando participou dos históricos comícios da Praça da Sé e do Vale do Anhangabaú, na Capital. Para ele, foram momentos de muita emoção e fé na queda do regime militar e resgate da democracia. A irmã e um cunhado foram presos durante a ditadura.

“A cada discurso inflamado de Ulisses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro, Leonel Brizola, José Rocha, Quércia, Lula, FHC, Mário Covas, Miguel Arraes, Dante de Oliveira, Osmar Santos e mensagens de dom Paulo Evaristo Arns [Arcebispo-emérito de São Paulo] era impossível conter as lágrimas e não acreditar”, conta, citando algumas das principais personalidades que lideraram esse movimento por liberdade. “Sempre carregarei esses momentos no coração”, diz Barioni.

Presente adiado

A esperança se espalhava no ar, mas o dia 25 de abril de 1984 foi tomado pela frustração. O destino do movimento foi selado em uma sessão na Câmara dos Deputados, em Brasília. A emenda que restabelecia a eleição direta para Presidente da República não atingiu os 320 votos necessários para que fosse enviada ao Senado. No placar, 298 votos a favor, 65 contra, e três abstenções. Por 22 votos, a proposta foi rejeitada.

“A não-aprovação da emenda Dante de Oliveira, coincidentemente, aconteceu no dia do meu aniversário. Lembro de acordar e minha mãe dizer que, naquele dia, eu iria ganhar um presente especial, que era a liberdade do País”, comenta a jornalista Daniela.

O presente da jornalista, e de todos os demais brasileiros, foi adiado. Contudo, a semente do desejo por democracia já estava plantada. Os desdobramentos políticos e sociais que aconteceriam em seguida levariam o País à esperada reabertura e a democracia vivida até os dias de hoje.

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  • Data: 04/05/2024 11:05
  • Alterado: 04/05/2024 11:05
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